FIGURAS TIPICAS DE OVAR
Zézinho da Ribeira
Faleceu e foi sepultado no dia 9, o Zezinho da Ribeira, de Ovar, que toda a gente aí conheceu na sua romagem quotidiana de mendigo em busca do pão da caridade, através das ruas da vila de Ovar. Andrajoso, de bordal encardido às costas, pau de apoio de seus passos na mão direita e na esquerda, sempre à altura do peito segurando o cordão da saca, dois ou mais pauzinhos, um arremedo de carapuça sob o velho chapéu na cabeça, o Zezinho aí passou o calvário da sua vida na inocência inconsciente de quem nunca na existência passou da primeira infância. O seu cérebro não acompanhou o desenvolvimento físico do Zezinho que morreu velho e criança!
Foi por isso que todos o estimaram e animaram como se estimam e animam crianças que nos divertem, sem nunca nos cansarem. O Zezinho era assim, sem malícia de espécie alguma, ria, cantava, dançava, ao som imaginário da sua imaginária banza improvisada no inseparável punhado de pauzinhos. Como criança, apanhava e levava para casa quanta farrapada via no seu caminho e podia levar. Quanto farrapo de gravata lhe ficasse a jeito, ele transportava para o seu poiso na Ribeira e não raro punha dois e mais desses trapos em volta do pescoço. Todos implicavam com o Zezinho, que, quando se sentia mais perseguido, desatava a chorar, num berreiro de criança. Liberto dos importunos passava do choro à gargalhada e por vezes desta ao insulto tal qual como as crianças que se vingam de quem as incomoda, chamando-lhes nomes.
O Zezinho morreu! E a simpatia popular que sempre o acompanhou na vida miserável e inocente, não o abandonou agora. O seu cadáver foi amortalhado com decência e o seu enterro teve imponência e pompa. Um grupo de raparigas, suas vizinhas prepararam-lhe essa derradeira homenagem, angariando donativos para o seu funeral, em que tomou parte uma banda de música. O povo da vila de Ovar ocorreu em chusma à passagem do préstito fúnebre em que o Zezinho foi conduzido à Igreja Matriz de Ovar e ao cemitério. O pobre mentecapto e mendigo teve como os grandes da terra o seu trono à beira do seu túmulo…
Que descanse em paz, o pobre do Zezinho da Ribeira, de Ovar!...
João Semana - 19.03.1936
quarta-feira, 27 de maio de 2009
sexta-feira, 22 de maio de 2009
JANELA DO TEMPO... NOSTALGIA
JANELA DO TEMPO…
NOSTÁLGIA
- Tono, anda cá, faz-me um favor. Olha, vai à loja da Marquinhas 1) comprar-me arroz. Sabes, hoje não posso mesmo das minhas pobres pernas, que teimam em não andar.
O Tono, deixou o jogo da bola de rua, e lá foi, como já era habitual, em grande correria, satisfazer o pedido da Tia Proserpina, que já trás consigo o peso de 80 anos de idade, há pouco completados.
A Tia Proserpina, viúva já lá vai uma dúzia de anos, vive só, sem filhos. Simpática, conta com a solidariedade dos vizinhos que nutrem um grande afecto e carinho por ela.
Vive muito pobremente, usufrui de uma reforma de miséria, que mal dá para os medicamentos, quanto mais para a sua alimentação. Vive numa casa já muito tocada pelo tempo, bastante húmida, que não conhece obras de manutenção já há muito tempo, o que contribui para aumentar as dores insuportáveis dos ‘ossos’ das suas pernas.
A Tia Proserpina ainda se recorda dos momentos em que, no rio dos Pelames, sem o brilho desses tempos, hoje tudo à volta é uma desolação, lavava a roupa das senhoras da Vila, e com a sua voz bem afinada cantarolava as canções da época. Era contagiante: as outras lavadeiras, que ocupavam cada uma a ‘sua’ pedra no rio de cima e no de baixo, também entravam na ‘desgarrada’, cantando, e rindo a bom rir. E quem estivesse na estação do caminho-de-ferro ouvia este belo cantar, logo reconhecendo a voz da Tia Proserpina.
Casou, muito nova, como era costume das raparigas, nesses tempos difíceis. Conheceu o Manuel quando este se deslocava com regularidade para Ul, Oliveira de Azeméis com a carroça carregada de sacos de milho que os clientes lhe entregavam para a moagem em moinho alugado. A clientela era tanta que os moleiros tinham de socorrer-se desta alternativa, pois existiam em Ul inúmeros moinhos de água, hoje recuperados, em contraste, com os existentes nos Pelames, em ruína… Por lá permanecia até que a moagem estivesse completa. No percurso, cruzava em Madaíl (Ul faz fronteira a norte com Madail) onde metia conversa com a então jovem Proserpina, de quem nunca mais tirou a vista, começando assim, repentinamente, uma relação amorosa. Tempos que recorda com saudade.
Mas há sempre um mas o Manuel, já casado e com um copito a mais, transformava-se num outro homem. Ficava nervoso, completamente modificado, batia-lhe mal entrava em casa.
Com o tempo, Tia Proserpina, adivinhando o estado do marido, já se refugiava em casa de uma vizinha, a uns poucos metros dos moinhos, até que as coisas arrefecessem.
Fora estes momentos, o Manuel era um bom trabalhador, recorda com saudade. A levada do rio estava sempre um esmero, que o diga quem o conhecia, principalmente as lavadeiras que frequentavam o rio dentro da sua propriedade.
Quantas memórias lhe vêm à mente nos Moinhos, quantas noites passadas sem conhecer cama e descanso, atenta à moagem da farinha. Uma vida difícil, mais ainda com a doença do marido. A tuberculose o levou, ainda bastante novo. Não o merecia, dizia a Tia Proserpina muitas vezes, para si mesma. “Mas Deus lá sabe porquê”.
A partir daqui, a vida complicou-se. Faltavam-lhe as forças, tudo se desmoronava. Com o Manuel apesar daqueles momentos de mau génio tudo se ultrapassava. Agora… estava assim nestes pensamentos quando aparece o Tono, que logo regressa ao jogo da bola. Lá foi fazer uma sopita para enganar o estômago, pois mais nada havia.
«Quantas vidas sós, depois de uma vida de trabalho, se multiplicam por aí à nossa volta. Nem reparamos nelas de tão apressados que andamos, ou, pior ainda, tantas vezes com indiferença. Tantas que hoje só vivem de recordações e que… outras vezes, ficam a murmurar consigo mesmas: “ao menos se Deus me levasse”».
1) A Marquinhas era a dona da loja dos ‘Canecos’, na esquina dos Pelames com a rua Alexandre Herculano.
António Ferreira Valente -27.05.2009
NOSTÁLGIA
- Tono, anda cá, faz-me um favor. Olha, vai à loja da Marquinhas 1) comprar-me arroz. Sabes, hoje não posso mesmo das minhas pobres pernas, que teimam em não andar.
O Tono, deixou o jogo da bola de rua, e lá foi, como já era habitual, em grande correria, satisfazer o pedido da Tia Proserpina, que já trás consigo o peso de 80 anos de idade, há pouco completados.
A Tia Proserpina, viúva já lá vai uma dúzia de anos, vive só, sem filhos. Simpática, conta com a solidariedade dos vizinhos que nutrem um grande afecto e carinho por ela.
Vive muito pobremente, usufrui de uma reforma de miséria, que mal dá para os medicamentos, quanto mais para a sua alimentação. Vive numa casa já muito tocada pelo tempo, bastante húmida, que não conhece obras de manutenção já há muito tempo, o que contribui para aumentar as dores insuportáveis dos ‘ossos’ das suas pernas.
A Tia Proserpina ainda se recorda dos momentos em que, no rio dos Pelames, sem o brilho desses tempos, hoje tudo à volta é uma desolação, lavava a roupa das senhoras da Vila, e com a sua voz bem afinada cantarolava as canções da época. Era contagiante: as outras lavadeiras, que ocupavam cada uma a ‘sua’ pedra no rio de cima e no de baixo, também entravam na ‘desgarrada’, cantando, e rindo a bom rir. E quem estivesse na estação do caminho-de-ferro ouvia este belo cantar, logo reconhecendo a voz da Tia Proserpina.
Casou, muito nova, como era costume das raparigas, nesses tempos difíceis. Conheceu o Manuel quando este se deslocava com regularidade para Ul, Oliveira de Azeméis com a carroça carregada de sacos de milho que os clientes lhe entregavam para a moagem em moinho alugado. A clientela era tanta que os moleiros tinham de socorrer-se desta alternativa, pois existiam em Ul inúmeros moinhos de água, hoje recuperados, em contraste, com os existentes nos Pelames, em ruína… Por lá permanecia até que a moagem estivesse completa. No percurso, cruzava em Madaíl (Ul faz fronteira a norte com Madail) onde metia conversa com a então jovem Proserpina, de quem nunca mais tirou a vista, começando assim, repentinamente, uma relação amorosa. Tempos que recorda com saudade.
Mas há sempre um mas o Manuel, já casado e com um copito a mais, transformava-se num outro homem. Ficava nervoso, completamente modificado, batia-lhe mal entrava em casa.
Com o tempo, Tia Proserpina, adivinhando o estado do marido, já se refugiava em casa de uma vizinha, a uns poucos metros dos moinhos, até que as coisas arrefecessem.
Fora estes momentos, o Manuel era um bom trabalhador, recorda com saudade. A levada do rio estava sempre um esmero, que o diga quem o conhecia, principalmente as lavadeiras que frequentavam o rio dentro da sua propriedade.
Quantas memórias lhe vêm à mente nos Moinhos, quantas noites passadas sem conhecer cama e descanso, atenta à moagem da farinha. Uma vida difícil, mais ainda com a doença do marido. A tuberculose o levou, ainda bastante novo. Não o merecia, dizia a Tia Proserpina muitas vezes, para si mesma. “Mas Deus lá sabe porquê”.
A partir daqui, a vida complicou-se. Faltavam-lhe as forças, tudo se desmoronava. Com o Manuel apesar daqueles momentos de mau génio tudo se ultrapassava. Agora… estava assim nestes pensamentos quando aparece o Tono, que logo regressa ao jogo da bola. Lá foi fazer uma sopita para enganar o estômago, pois mais nada havia.
«Quantas vidas sós, depois de uma vida de trabalho, se multiplicam por aí à nossa volta. Nem reparamos nelas de tão apressados que andamos, ou, pior ainda, tantas vezes com indiferença. Tantas que hoje só vivem de recordações e que… outras vezes, ficam a murmurar consigo mesmas: “ao menos se Deus me levasse”».
1) A Marquinhas era a dona da loja dos ‘Canecos’, na esquina dos Pelames com a rua Alexandre Herculano.
António Ferreira Valente -27.05.2009
quarta-feira, 6 de maio de 2009
JÚLIO DINIS
Júlio Dinis,Joaquim Guilherme Gomes Coelho (Porto, 14 de Novembro de 1839 – Porto, 12 de Setembro de 1871) foi um médico e escritor portuguêsBiografiaLicenciou-se em Medicina na Escola Médica do Porto, onde também foi professor, mas foi principalmente à literatura que dedicou a maior parte da sua curta vida. Utilizou vários pseudónimos, sendo Júlio Dinis o principal e o que o tornou mais conhecido. É por muitos considerado como um escritor de transição entre o fim do Romantismo e o princípio do Realismo. Embora tenha escrito poesia e teatro, notabilizou-se principalmente como romancista.Sofria de tuberculose, e devido a essa doença foi viver para zonas rurais como a Madeira e Ovar, onde tomou conhecimento da vida das gentes do campo, principal tema da sua obra, onde demonstrava uma grande preocupação pela descrição realista das aldeias e das pessoas, assim como dos seus problemas sociais.Sobre a sua passagem pela zona rural de Ovar existe muita controvérsia, pois estudiosos (Dra. Maria José Ramos e outros) indicam que a sua estadia terá sido em Grijó, que pertence a Vila Nova de Gaia, o que se coaduna em termos geográficos com as diversas referências implícitas nas suas várias obras, especialmente em A Morgadinha dos Canaviais e As Pupilas do Senhor Reitor. Nesta vila de Grijó encontram-se várias placas alusivas à sua vida nesta terra, nomeadamente na Quinta do Mosteiro e na Quinta da Fábrica, no lugar do Loureiro.Morreu em 1871, com 31 anos vítima da tuberculose, tal como sua mãe e os seus dois irmãos ObraAs Pupilas do Senhor Reitor (1867) A Morgadinha dos Canaviais (1868) Uma Família Inglesa (1868) Serões da Província (1870) Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871) Poesias (1873) Inéditos e Dispersos (1910) Teatro Inédito (1946-1947)
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