quarta-feira, 27 de maio de 2009

FIGURAS TIPICAS DE OVAR

FIGURAS TIPICAS DE OVAR

Zézinho da Ribeira


Faleceu e foi sepultado no dia 9, o Zezinho da Ribeira, de Ovar, que toda a gente aí conheceu na sua romagem quotidiana de mendigo em busca do pão da caridade, através das ruas da vila de Ovar. Andrajoso, de bordal encardido às costas, pau de apoio de seus passos na mão direita e na esquerda, sempre à altura do peito segurando o cordão da saca, dois ou mais pauzinhos, um arremedo de carapuça sob o velho chapéu na cabeça, o Zezinho aí passou o calvário da sua vida na inocência inconsciente de quem nunca na existência passou da primeira infância. O seu cérebro não acompanhou o desenvolvimento físico do Zezinho que morreu velho e criança!
Foi por isso que todos o estimaram e animaram como se estimam e animam crianças que nos divertem, sem nunca nos cansarem. O Zezinho era assim, sem malícia de espécie alguma, ria, cantava, dançava, ao som imaginário da sua imaginária banza improvisada no inseparável punhado de pauzinhos. Como criança, apanhava e levava para casa quanta farrapada via no seu caminho e podia levar. Quanto farrapo de gravata lhe ficasse a jeito, ele transportava para o seu poiso na Ribeira e não raro punha dois e mais desses trapos em volta do pescoço. Todos implicavam com o Zezinho, que, quando se sentia mais perseguido, desatava a chorar, num berreiro de criança. Liberto dos importunos passava do choro à gargalhada e por vezes desta ao insulto tal qual como as crianças que se vingam de quem as incomoda, chamando-lhes nomes.
O Zezinho morreu! E a simpatia popular que sempre o acompanhou na vida miserável e inocente, não o abandonou agora. O seu cadáver foi amortalhado com decência e o seu enterro teve imponência e pompa. Um grupo de raparigas, suas vizinhas prepararam-lhe essa derradeira homenagem, angariando donativos para o seu funeral, em que tomou parte uma banda de música. O povo da vila de Ovar ocorreu em chusma à passagem do préstito fúnebre em que o Zezinho foi conduzido à Igreja Matriz de Ovar e ao cemitério. O pobre mentecapto e mendigo teve como os grandes da terra o seu trono à beira do seu túmulo…
Que descanse em paz, o pobre do Zezinho da Ribeira, de Ovar!...


João Semana - 19.03.1936

sexta-feira, 22 de maio de 2009

JANELA DO TEMPO... NOSTALGIA


JANELA DO TEMPO…

NOSTÁLGIA

- Tono, anda cá, faz-me um favor. Olha, vai à loja da Marquinhas 1) comprar-me arroz. Sabes, hoje não posso mesmo das minhas pobres pernas, que teimam em não andar.
O Tono, deixou o jogo da bola de rua, e lá foi, como já era habitual, em grande correria, satisfazer o pedido da Tia Proserpina, que já trás consigo o peso de 80 anos de idade, há pouco completados.
A Tia Proserpina, viúva já lá vai uma dúzia de anos, vive só, sem filhos. Simpática, conta com a solidariedade dos vizinhos que nutrem um grande afecto e carinho por ela.
Vive muito pobremente, usufrui de uma reforma de miséria, que mal dá para os medicamentos, quanto mais para a sua alimentação. Vive numa casa já muito tocada pelo tempo, bastante húmida, que não conhece obras de manutenção já há muito tempo, o que contribui para aumentar as dores insuportáveis dos ‘ossos’ das suas pernas.
A Tia Proserpina ainda se recorda dos momentos em que, no rio dos Pelames, sem o brilho desses tempos, hoje tudo à volta é uma desolação, lavava a roupa das senhoras da Vila, e com a sua voz bem afinada cantarolava as canções da época. Era contagiante: as outras lavadeiras, que ocupavam cada uma a ‘sua’ pedra no rio de cima e no de baixo, também entravam na ‘desgarrada’, cantando, e rindo a bom rir. E quem estivesse na estação do caminho-de-ferro ouvia este belo cantar, logo reconhecendo a voz da Tia Proserpina.
Casou, muito nova, como era costume das raparigas, nesses tempos difíceis. Conheceu o Manuel quando este se deslocava com regularidade para Ul, Oliveira de Azeméis com a carroça carregada de sacos de milho que os clientes lhe entregavam para a moagem em moinho alugado. A clientela era tanta que os moleiros tinham de socorrer-se desta alternativa, pois existiam em Ul inúmeros moinhos de água, hoje recuperados, em contraste, com os existentes nos Pelames, em ruína… Por lá permanecia até que a moagem estivesse completa. No percurso, cruzava em Madaíl (Ul faz fronteira a norte com Madail) onde metia conversa com a então jovem Proserpina, de quem nunca mais tirou a vista, começando assim, repentinamente, uma relação amorosa. Tempos que recorda com saudade.
Mas há sempre um mas o Manuel, já casado e com um copito a mais, transformava-se num outro homem. Ficava nervoso, completamente modificado, batia-lhe mal entrava em casa.
Com o tempo, Tia Proserpina, adivinhando o estado do marido, já se refugiava em casa de uma vizinha, a uns poucos metros dos moinhos, até que as coisas arrefecessem.
Fora estes momentos, o Manuel era um bom trabalhador, recorda com saudade. A levada do rio estava sempre um esmero, que o diga quem o conhecia, principalmente as lavadeiras que frequentavam o rio dentro da sua propriedade.
Quantas memórias lhe vêm à mente nos Moinhos, quantas noites passadas sem conhecer cama e descanso, atenta à moagem da farinha. Uma vida difícil, mais ainda com a doença do marido. A tuberculose o levou, ainda bastante novo. Não o merecia, dizia a Tia Proserpina muitas vezes, para si mesma. “Mas Deus lá sabe porquê”.
A partir daqui, a vida complicou-se. Faltavam-lhe as forças, tudo se desmoronava. Com o Manuel apesar daqueles momentos de mau génio tudo se ultrapassava. Agora… estava assim nestes pensamentos quando aparece o Tono, que logo regressa ao jogo da bola. Lá foi fazer uma sopita para enganar o estômago, pois mais nada havia.
«Quantas vidas sós, depois de uma vida de trabalho, se multiplicam por aí à nossa volta. Nem reparamos nelas de tão apressados que andamos, ou, pior ainda, tantas vezes com indiferença. Tantas que hoje só vivem de recordações e que… outras vezes, ficam a murmurar consigo mesmas: “ao menos se Deus me levasse”».

1) A Marquinhas era a dona da loja dos ‘Canecos’, na esquina dos Pelames com a rua Alexandre Herculano.

António Ferreira Valente -27.05.2009

JÚLIO DINIS


quarta-feira, 6 de maio de 2009

JÚLIO DINIS




Júlio Dinis,Joaquim Guilherme Gomes Coelho (Porto, 14 de Novembro de 1839 – Porto, 12 de Setembro de 1871) foi um médico e escritor portuguêsBiografiaLicenciou-se em Medicina na Escola Médica do Porto, onde também foi professor, mas foi principalmente à literatura que dedicou a maior parte da sua curta vida. Utilizou vários pseudónimos, sendo Júlio Dinis o principal e o que o tornou mais conhecido. É por muitos considerado como um escritor de transição entre o fim do Romantismo e o princípio do Realismo. Embora tenha escrito poesia e teatro, notabilizou-se principalmente como romancista.Sofria de tuberculose, e devido a essa doença foi viver para zonas rurais como a Madeira e Ovar, onde tomou conhecimento da vida das gentes do campo, principal tema da sua obra, onde demonstrava uma grande preocupação pela descrição realista das aldeias e das pessoas, assim como dos seus problemas sociais.Sobre a sua passagem pela zona rural de Ovar existe muita controvérsia, pois estudiosos (Dra. Maria José Ramos e outros) indicam que a sua estadia terá sido em Grijó, que pertence a Vila Nova de Gaia, o que se coaduna em termos geográficos com as diversas referências implícitas nas suas várias obras, especialmente em A Morgadinha dos Canaviais e As Pupilas do Senhor Reitor. Nesta vila de Grijó encontram-se várias placas alusivas à sua vida nesta terra, nomeadamente na Quinta do Mosteiro e na Quinta da Fábrica, no lugar do Loureiro.Morreu em 1871, com 31 anos vítima da tuberculose, tal como sua mãe e os seus dois irmãos ObraAs Pupilas do Senhor Reitor (1867) A Morgadinha dos Canaviais (1868) Uma Família Inglesa (1868) Serões da Província (1870) Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871) Poesias (1873) Inéditos e Dispersos (1910) Teatro Inédito (1946-1947)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O romance «As Pupilas do Senhor Reitor» foi publicado em 1869, tendo sido representado e cinematizado. Um ano antes, tinha sido dado a público «Uma Família Inglesa» e, em 1870, veio a público «Serões da Província».
No ano do seu falecimento, 1871, publicou-se o romance «Os Fidalgos da Casa Mourisca». Só depois da sua morte se publicaram «Inéditos» e «Esparsos», em dois volumes, assim como as suas «Poesias», dadas à estampa entre 1873 e 1874.
Foi o criador do romance campesino e as suas personagens, tiradas, na sua maioria, de pessoas com quem viveu ou contactou na vida real, estão imbuídas de tanta naturalidade que muitas delas nos são ainda hoje familiares. É o caso da tia Doroteia, de «A Morgadinha dos Canaviais», inspirada por sua tia, em casa de quem viveu, quando se refugiou em
Ovar, ou de Jenny, para a qual recebeu inspiração da sua prima e madrinha, D. Rita de Cássia Pinto Coelho.
Júlio Dinis viu sempre o mundo pelo prisma da fraternidade, do optimismo, dos sentimentos sadios do amor e da esperança. Quanto à forma, é considerado um escritor de transição entre o
romantismo e o realismo.
Além deste pseudónimo, Júlio Dinis usou também o de Diana de Aveleda, com que assinou pequenas narrativas ingénuas como «Os Novelos da Tia Filomena» e o «Espólio do Senhor Cipriano», publicados em 1862 e 1863, respectivamente. Foi com este pseudónimo que se iniciou nas andanças das letras, tendo, com ele, assinado também pequenas crónicas no Diário do Porto.

A palavra ao leitor Quadras de Soares de PassosA José Joaquim Gomes CoelhoVinte anos! Ai, bem cedo arrebatado,/O guardaste no seio, oh campa fria!Flor passageira, sucumbiste ao fado,/E seus perfumes, exalou num dia.Quanta ilusão desfeita em seu transporte,/Sonhou glórias talvez! Sonhou amores!Tudo, tudo aqui jaz!/ Carpi-lhe a sorte, /Derramai-lhe na tumba algumas flores.De seguida as mesmas quadras depois da última e infeliz intervenção:Ver o amor arder cedo arrebatado/O perdes-te do seio. Ó campa fria:Flor passageira. Sucumbem ao fado/E seus perfumes egualou n’um diaQuanta ilusão desfeita em seu transporte/Sonhou glórias talvez sonhou adoresTudo tudo aqui jaz carrilhe a sorte:/Derramae lhe na tumba algumas flores:Além desta falta de atenção, ainda podemos reparar outro erro grosseiro na sepultura onde se encontra um dos maiores valores da literatura do Porto e do país, o poeta e romancista Júlio Dinis. O falecimento do irmão de Júlio Dinis, ocorreu a 30 de Dezembro de 1855, mas na pintura dos caracteres recentemente realizado colocam 30 de Dezembro de 1885. este espaço, um “Memorial” da cidade do Porto, fica situado no cemitério de Agramonte, era merecedor de uma maior atenção, e ficaria bem, se procedessem á correcção desta lamentável situação.A título de comentário, na campa do poeta Soares de Passos, autor do “Noivado do Sepulcro”, no cemitério da Lapa, também podemos verificar que dificilmente qualquer pessoa anónima que lhe pretenda prestar homenagem localizará este espaço, pelo quase desaparecimento dos caracteres do mesmo e quadra nem inserida. Realmente estas duas figuras Júlio Dinis e Soares de Passos já tiveram melhor atenção e carinho pela cidade que ambos tanto amaram.Nós por Ovar também temos algumas situações incompreensíveis. Desde o dia 19 de Dezembro de 2003, que a Casa Museu Júlio Dinis está encerrada, deixou de estar acessível ao público em geral, a cidade ficou mais pobre na oferta.Como devem imaginar uma casa fechada demasiado tempo, trás danos irreparáveis, ainda mais como é do conhecimento de quem a visitava, de que o Museu se encontrava com graves problemas de humidade e, apodrecimento das madeiras.Aqui também dirijo um apelo aos responsáveis da nossa autarquia que desbloqueiem as causas, e intervenham o mais célere possível, no início das obras.Lembro que este humilde espaço, é um espaço único, que permite ser o “gaudião” de memórias deste grande romancista, poeta e dramaturgo. Perante a sua precária saúde, a razão da sua estadia, Ovar proporcionou-lhe belos momentos, numa acalmia do seu estado de espírito, que o leva ilusoriamente pensar sentir-se curado.António Ferreira Valente (in «O primeiro de Janeiro»

Júlio Diniz, cujo nome verdadeiro era Joaquim Guilherme Gomes Coelho nasceu em Porto, Portugal, a 14 novembro de 1839, filho do Dr. José Joaquim Gomes Coelho e de D. Ana Constança Potter Gomes Coelho. Seu avô materno era inglês e sua avó irlandesa. Por isso, ele foi bastante influenciado pelos costumes, educação e mentalidade da burguesia britânica. Concluiu sua instrução primária em Miragaia, aprendendo com o padre José Henrique de Oliveira Martins o latim, o francês e o inglês.Em 1853, Júlio Diniz ingressou na Academia Politécnica do Porto. Tinha 14 anos. Dedicou-se aos estudos de Botânica, Zoologia, Química, Física e Matemática. Em 1856, ele concluiu o curso na Academia Politécnica, ingressando na Escola Médico-Cirúrgico do Porto. Na época da universidade, Júlio manteve contacto com muitos escritores portugueses, principalmente Soares de Passo. Paralelamente aos estudos, dedicava-se à literatura, escrevendo poesias e contos, que foi publicando em "A Grinalda" e no "O Jornal do Comércio". Em 1858, com 19 anos, Júlio Diniz escreve o conto "Justiça de Sua Majestade", incluído na 3ª edição dos "Serões da Província". Foi um dos primeiros trabalhos editados pelo autor.Em 1861, Júlio Diniz formou-se em Medicina, apresentando a tese: "Da importância dos Estudos Meteorológicos para a Medicina e Especialmente de Suas Aplicações ao Ramo Cirúrgico". Quando se formou, aos 22 anos, já estava atacado de tuberculose. Nessa época, pensava em seguir carreira no magistério universitário, sem abandonar a literatura pela qual tinha verdadeira paixão. Em 1862, forma publicados, em folhetins, no "Jornal do Porto" os contos As "Apreensões de uma Mãe", " O espólio do Sr. Cipriano", e relançado em volume com o título "Uma Família Inglesa". No mesmo jornal, um ano depois, apareceram os "Novelos da Tia Filomena".Júlio Diniz submeteu-se em 1863, a um concurso para lugar de demonstrador da Seção Médica da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, mas por causa da doença teve de abandonar as provas.Recolheu-se, então, em Ovar, terra natal do pai dele, e tentou recuperar a saúde. Em Ovar começou a escrever "As Pupilas do Senhor Reitor".A calma da cidade do interior e a observação da vida simples das pessoas da aldeia propiciaram o aparecimento desse romance que, algum tempo depois, se tornaria um dos mais famosos em Portugal. Sua estada nas cercarias rurais de Ovar devolveu-lhe, aparentemente, a saúde e Júlio Diniz voltou ao Porto.A 19 de janeiro de 1864 submeteu-se novamente ao concurso para demonstrador. Apresentou o trabalho "Fisiologia, Ciência, Arte, Objecto, Método, Filosofia" com que recebeu Grande Mérito sendo aprovado em segundo lugar. Júlio Diniz foi nomeado para cargo por decreto de 14 de março. Em novembro do mesmo ano,
As Pupilas do Senhor Reitor, romance de Júlio Dinis publicado pela primeira vez em 1866

Joaquim Guilherme Gomes Coelho, o Júlio Dinis

(1839 - 1871)







Romancista português de vida efémera nascido no Porto, cuja obra caracterizou-se por um estilo directo e espontâneo, sugestivo e tão voltado para a naturalidade quanto para a própria natureza, abordando costumes e relações sociais nas aldeias portuguesas. Formado pela escola de medicina e cirurgia do Porto (1861), preferiu dedicar-se à literatura e ao ensino universitário. Colaborou, com o pseudónimo, no jornal A Grinalda, quando publicou seu primeiro romance, Justiça de Sua Majestade (1958). No Jornal do Porto (1862-1864), apareceram os contos reunidos depois nos Serões de província (1870). A mesma publicação divulgou em folhetins um dos livros de Dinis mais bem-sucedidos junto ao público, As pupilas do senhor reitor (1867). Atacado pela tuberculose, fez constantes viagens de tratamento, inclusive ao litoral e à ilha da Madeira. Destas viagens publicou, em um mesmo ano, Painéis complementares da vida social no campo e na cidade, A morgadinha dos canaviais e Uma família inglesa (1868). Outra obra importante foi Os fidalgos da casa mourisca (1872). Também escreveu poemas e dramas, de edição póstuma, após sua prematura morte no Porto, em 12 de Setembro (1871), com apenas 32 anos. Romancista da vida familiar e como tal estimado, seus poemas e dramas, de edição póstuma, não desmereceram o talento e a autenticidade do escritor. Uma adaptação de As pupilas do senhor reitor ganhou actualidade ao ser levada ao ar por um canal da televisão brasileira (1995).


A Leveza de Dinis

Antero Barbosa

Serviço de Pessoal e Expediente, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Júlio Dinis é uma paixão. Que não se apaga nunca.
Dele disse Eça, levianamente: “Júlio Dinis viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve”. Apenas acertou numa das asserções: Júlio Dinis, de facto, viveu de leve, ou quase não viveu. Mas morrer, não morreu não. E a sua escrita, muito embora não se possa medir o registo em função de best-sellers, é a que mais vende edições de autor do século dezanove, passados mais de 130 anos após a sua morte. Nem Eça, nem sequer Camilo, o suplantam apesar de alguns dos livros destes escritores serem obrigatórios na escolaridade.
Dinis não escreveu de leve. Escreveu imenso, se atendermos ao reduzido número de anos que a vida lhe concedeu: apenas 33 incompletos e os últimos amarrados a uma tuberculose implacável. Fazendo o contraponto com Camilo e Eça, o que teríamos se tivessem vivido o mesmo número de anos? Eça apenas ecreveria as “Prosas Bárbaras”, “Padre Amaro” e “Primo Basílio”. Não teríamos “Maias”, nem “Relíquia”, nem “Casa de Ramires” nem a “Cidade e as Serras”. Camilo pararia em “O que fazem mulheres”. Não se chegaria a escrever o “Amor de Perdição”, o “Retrato de Ricardina”, a “Bruxa”, as “Novelas do Minho” nem a “Brasileira de Prazins”.
Muito novo, soletrei em selectas literárias os nomes dos autores portugueses e a lista das suas obras. Aqueles títulos exprimiam curiosidade e na selecta surgiam alguns retalhos dos seus textos. Um dia, com doze ou treze anos vi exposto no escaparate de uma papelaria a “Morgadinha”. Afinal aqueles livros existiam mesmo e completos. Comprei-o mesmo sem ter dinheiro, que levei roubado no dia seguinte, o que não evitou que me fosse de novo solicitado pelo correio.
Na capa figurava uma amazona, que mais tarde soube que era Madalena e Morgadinha. Cheguei a casa, abri-o e foi uma decepção: só letras, pequenas, nada de gravuras, centenas de páginas. Foi encostado sem ser lido.
Mas no final do ano lectivo, um amigo de meu pai ofereceu-me as “Pupilas” como prémio de passagem nos estudos. Li-o de um fôlego e de imediato a Morgadinha, com as letras todas. Foi um deslumbramento.
Depois foi a leitura dos “Serões”, alguns magníficos, a “Família” romance excepcional de urbe em que raros escritores portugueses vingam e os “Fidalgos”, ainda hoje um texto que permanece de pé e actual, sendo decerto o seu melhor livro.
Mas a paixão foi mesmo (e é) a “Morgadinha”, livro do mundo dos melhores de sempre. Fiz um pacto com Dinis: eu leria todas as suas obras e ele permitia que eu integrasse como personagem a “Morgadinha”. E assim se fez: entrei na aldeia no primeiro capítulo, como agora entro em todas as aldeias: primeiro oiço referências, depois assumo nos arredores, depois penetro no povoado embrenhando-me nas casas, coisas e cães. Em seguida, conheço as pessoas e os sítios da aldeia, que é igual à minha e a todas as outras, é a minha. Vou a todas as casas, às capelas, acompanho os pares enamorados, caso-me com Cristina.
Ainda hoje se passa assim, sempre que visito alguma aldeia pela primeira vez. Entro sempre em terras da Morgadinha.
Dinis é o maior arquitecto do romance português. Eça, mesmo vivendo em França e Inglaterra, não se livra do pudor, do preconceito e do moralismo retintamente português. Dinis, sem sair de Portugal, é literariamente inglês e aproxima-se do maior construtor de novelas: Balzac. Ali se encontra sempre a apresentação (minuciosa), a acção, a tensão e a conclusão, perfeitamente definidas e encaixadas. Consequência decerto do seu sangue britânico.
Apagaram-se todos os autores contemporâneos e aparentados de Dinis, com realce para Pedro Ivo. E o que dizer dos textos que mais o influenciaram? Não se vende o “Pároco” de Herculano, não se editam os “Contos do tio Joaquim” de Paganino. Dinis continua vivo e vendável.
A aldeia em que nasci é um microcosmos com características sociológicas verdadeiramente sui generis. Tem algumas viúvas por motivos vários, viúvos não, estes casam-se logo. Até há pouco não havia ocorrido um único divórcio. Mas o mais curioso é que os jovens se casam, quase todos, e quase todos antes dos vinte anos.
Dinis casava sempre os pares no último capítulo. Essa é uma das críticas que lhe é assacada: o escritor em que termina tudo no altar. Certo. Mas será que esta faceta tem algo a ver com o que se vem passando na minha aldeia, em que os adolescentes só pensam em casar? Eu acho que não.

CORRESPONDÊNCIA:
Dr. Antero Barbosa
Serviço de Pessoal e Expediente
Faculdade de Medicina do Porto
Alameda Prof. Hernâni Monteiro
4200-319 Porto
e-mail: barbant@iol.pt
As Pupilas do Senhor Reitor é um romance do escritor português Júlio Dinis, publicado em 1867.
Na segunda metade do século XIX em uma aldeia portuguesa, conta a história de Margarida e Clara, duas moças que são tuteladas pelo reitor da paróquia da aldeia e seus romances com os filhos do fazendeiro José das Dornas: Daniel e Pedro. Margarida é apaixonada por Daniel, inicialmente um seminarista que, ao ser descoberto em romance com Margarida, é enviado pelo pai para estudar medicina. Ao voltar, Daniel começa a cortejar Clara, noiva de Pedro, o que coloca a reputação familiar em risco. Ao final, Daniel e Margarida se recordam do romance de infância e se unem novamente.

quarta-feira, 15 de abril de 2009



Museu Júlio Dinis - Uma Casa OvarensePatrimónio, Tradição e Cultura Museus
Este museu abriu as suas portas em Março de 1996 e contém uma biblioteca dinisiana, espólio pessoal do escritor e etnografia vareira. Está instalado num edifício que constitui um excelente exemplar da arquitectura ovarense, classificado como Imóvel de Interesse Público, onde o escritor viveu durante o Verão de 1863 quando surgiram os primeiros sinais de tuberculose. Aqui Júlio Dinis terá escrito grande parte da sua obra mais conhecida: "As Pupilas do Senhor Reitor". Numa carta que escreveu a Custódio Passos Júlio Dinis dizia acerca da sua estada em Ovar: "O prazer que experimento nesta vida que levo em Ovar, pode-se comparar a um banho tépido; agrada-me adormecendo-me."

A HOMENAGEM JÚLIO DINIS


O JÚLIO DINIS ERA UM GRANDE ESCRITOR.
A casa onde Júlio Dinis nasceu, foi demolida com a abertura da Rua Nova da Alfândega, e aquela onde morreu, deu lugar à construção de uma casa de espectáculos cinematográficos.
Júlio Dinis era filho de José Joaquim Gomes Coelho, cirurgião, natural de
Ovar, e de D. Ana Constança Potter Pereira Gomes Coelho, de ascendência anglo-irlandesa, e vitimada pela tuberculose quando Júlio Dinis contava apenas seis anos de idade..
Frequentou a escola primária em Miragaia. Aos catorze anos de idade (1853), concluiu o curso preparatório do liceu. Matriculou-se na Escola Politécnica, tendo, em seguida, transitado para a Escola Médico-Cirúrgica do Porto, cujo curso completou a 27 de Julho de 1861, com alta classificação. Mais tarde (1867), foi incluído como demonstrador e lente substituto no corpo docente desta mesma Escola.Júlio Dinis viu sempre o mundo pelo prisma da fraternidade, do optimismo, dos sentimentos sadios do amor e da esperança. Quanto à forma, é considerado um escritor de transição entre o romantismo e o realismo.
Obras de Júlio Dinis
As Pupilas do Senhor Reitor (1867)
A Morgadinha dos Canaviais (1868)
Uma Família Inglesa (1868)
Serões da Província (1870)
Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871)
Poesias (1873)
Inéditos e Dispersos (1910)
Teatro Inédito (1946-1947)

"AS PÚPILAS DO SENHOR REITOR"

O JÚLIO DINIS ERA UM GRANDE ESCRITOR, E MUITO CONHECIDO,ERA HOMEM QUE